alisavas os vincos da cama
como quem põe ordem no mundo
há uns anos escrevi este poema para a minha avó. gosto dele porque me faz pensar nas pequenas formas que o ser humano encontra para sobreviver no caos do mundo.
a minha avó cresceu com um pai que nunca a reconheceu como filha, uma mãe incapaz de cuidar dela, um meio-irmão dependente, e uns tios que assumiram o papel destes pais; a minha avó cresceu sem estrutura, sem segurança, e por consequência depositou grande parte da sua energia a controlar aquilo que podia. grande parte das coisas que estavam ao alcançe do seu controlo eram estes pequenos gestos domésticos, aos quais ela se dedicou a executar plena e eximiamente.

observo-a na casa — vejo-a dobrar os lençóis, a estender a roupa, a cortar os vegetais para a sopa, mas o que gosto mais é de vê-la fazer a cama: esticando e alisando cada vinco, deixando-a intocada. sinto que é também, nestes pequenos gestos domésticos, que ela recupera o controlo e a ordem do mundo, que encontra plenitude.





                                            





S/Título . Díptico . Chapas de cobre, 500x700x5mm
Poema. Gravação a laser sobre plexiglass. 165x215x3mm

2023 o limite do meio, Galeria Municipal do Montijo curated by Teresa Neto, Montijo, PT